Ficha de Leitura I
Referência Bibliográfica: RUQUOY, D. Situação de entrevista e estratégias do entrevistador. In ALBERELLO, L. et al. (1997). Práticas e métodos de investigação em Ciências Sociais. Lisboa: Gradiva.
Palavras-chave
- Entrevista;
- Entrevistador/Entrevistado;
- Investigação;
- Ferramenta;
- Análise;
- Dados qualitativos.
Reflexão Crítica:
A entrevista surge como resposta ao progresso das ciências sociais e à expansão do conhecimento, aliada à necessidade de estudar de forma mais complexa a acção humana, tornando-se assim a ferramenta primordial. Pois este método proporciona uma compreensão profunda daquilo que se investiga, sendo muitas vezes o único meio de recolha de informação utilizado. Ao seu sucesso junta-se ainda o facto de haver uma crescente valorização dos dados qualitativos, assim como dos respectivos métodos de análise, onde se inclui a entrevista.
O facto de já ter utilizado a entrevista como método de recolha de informação, para posterior análise qualitativa, dá-me a possibilidade de tomar a posição do autor, constatando a poderosa ferramenta que a entrevista se pode tornar. Pois a profundidade e complexidade dos dados que a sua utilização pode conferir é notória, no entanto é preciso ter em consideração as dificuldades do seu emprego.
Como principais entraves à sua utilização salienta-se um paradoxo existente, que compreende as ciências sociais como um interesse público e a entrevista trata-a como um ser singular, ou seja, o entrevistado é o representante de um grupo social. E com esta ideia do autor, podemos inferir para outra situação que poderá ocorrer em detrimento da primeira, refiro-me à generalização, passo a explicar, se a informação recolhida sobre um grupo social acontece através de um interrogado que tem um comportamento peculiar esse comportamento será transportado e difundido como comum naquele colectivo. E para que tal seja evitado esta possibilidade tem de estar sempre presente no decorrer do trabalho exercido pelo investigador.
De seguida salienta-se o caracter formal e identificável que a entrevista toma, gerando por vezes a probabilidade de acontecer distorção de dados, uma vez que o inquirido neste contexto terá um comportamento diferente, não se garantindo assim que as informações recolhidas neste cenário fossem semelhantes noutra situação.
Ao analisar as dificuldades que o uso da entrevista como método investigativo poderá trazer, parece relevante mencionar as razões que a tornam como a ferramenta eleita para cada estudo, ou seja se será esta a mais adequada face ao tipo de dados a estudar. Primeiramente é importante referir que o uso da entrevista prevê que o investigador não possua qualquer tipo de dados prévios; ter em consideração os resultados específicos que esta proporciona; assim como os requisitos pedidos para a sua utilização. Disto isto, quem opta pela entrevista como metodologia pretende: estabelecer uma relação verbal entre o investigador e a pessoa interrogada, podendo acontecer de forma directa, ou seja pessoalmente, ou por carta caracterizando-se como indirecta; que seja provocada pelo investigador, o que remete algum artificialismo pois a comunicação não sucede de forma natural e fluida; que uma entrevista utilizada com fins de investigação se distinga da entrevista terapêutica, que pretende resolver problemas através de um processo que leva a pessoa a exprimir-se; que a entrevista quando baseada num guia, permite ao entrevistado ter mais liberdade de pensamento, no entanto, no método por questionário espera-se que o investigador tenha uma percepção do impacto que as questões formuladas tem no público, evitando perguntas inúteis; e por fim que a entrevista tenha uma perspectiva intensiva, que acontece quando o objectivo do estudo se prende em conhecer exaustivamente as reacções das pessoas e processos.
Fazendo referência ao acima mencionado, penso que uma entrevista realizada pessoalmente poderá ter mais dados a acrescentar à investigação, pois dá-se a oportunidade de ocorrer uma observação, e esta poderá dar forma a também uma fonte de informações, que igualmente válidas só vão enriquecer o estudo.
A entrevista pode ser diferenciada pelos seus níveis de liberdade, onde o entrevistador poderá dar mais liberdade ao seu interlocutor, intervindo pouco, ou a entrevista formulada segundo um prepósito respeitando os objectivos estabelecidos. Diferenciando-se quatro modalidades de entrevista, sendo elas a semidirectiva, a directivas, o relato de vida e a não directiva. A entrevista semidirectiva permite ao entrevistado construir o seu pensamento, em volta do objectivo estipulado; a entrevista directiva acontece com base num questionário, as questões são fechadas ou abertas; o relato de vida concilia a abordagem biográfica com o objecto de estudo; e por fim a entrevista não directiva permite ao entrevistado explorar um tema geral, que é delineado previamente.
A entrevista destaca-se como sendo a ferramenta mais apropriada para estudar os sistemas de representações, os valores, e as normas. Para que tal suceda diferenciam-se níveis de profundidade, estabelecidos pelo tipo de discurso e conteúdos ditos pelo entrevistador. B. Wynants propõe a distinção entre os níveis manifestos e latentes do discurso, e os níveis não consciente e consciente. O nível manifesto caracteriza-se pelo sentido captado através de uma leitura simples, esta depende do leitor; ao invés do nível latente que requer uma leitura mais organizada e depende do locutor. O nível de conteúdo consciente refere-se ao que o locutor conhece, enquanto o nível de conteúdo inconsciente refere-se aos conteúdos que este não capta.
Uma das partes que me despertou mais interesse ao longo do texto foi a temática das condições sociais, onde se debate a relação social estabelecida pelo entrevistador e pelo entrevistado. Pois constatei que o nível de qualidade dos dados esta comprometido pelas relações subjacentes de poder ou hierarquia, sucedendo o mesmo com diferenças acentuadas de classes. Isto promove por parte do entrevistador um cuidado redobrado no que concerne às suas atitudes e comportamentos, devendo adquirir uma postura profissional, não expondo os seus pensamentos e opiniões. Deve deixar de parte as suas percepções, para ter a possibilidade de captar realidades opostas às suas. Contudo quando maior for a distância estabelecida, mais será o esforço que o entrevistado terá que fazer para os seus comportamentos e ideias serem apreendidos.
Será pertinente lembrar que o local (quadro espácio-temporal) onde a entrevista decorre, desempenha um papel importante no sucesso da mesma, onde se destaca elementos como o isolamento do espaço, que evita haver interrupções por outras pessoas ou por telefone e o barulho. A disposição espacial é outro elemento a ter em conta, pois devem ser evitadas situações que proporcionem sentimentos de inferioridade ou desconfiança.
O comportamento do entrevistador, como já foi referido, demonstra-se sem dúvida crucial pois é este que conduz a entrevista e a forma como realiza todo esse procedimento, decerto implica o sucesso ou o fracasso da mesma. Dito isto, o entrevistador deve explicar o fundamento do estudo, assim como a utilização que terá; deve motivar o interlocutor; fazer desaparecer os receios e por fim explicitar ao entrevistado a razão de ter sido escolhido.
O plano de entrevista deve conter o guia da entrevista que contém os pontos a explorar; e o modo de intervenção que inclui a aplicação do guia, as expectativas do discurso e as atitudes do entrevistador.
Quando o autor identifica os momentos-chave da entrevista, alerta para quatro momentos, sendo eles os preliminares, o início da entrevista, o corpo da entrevista e o fim da entrevista. Os preliminares antecedem ao princípio da entrevista, e aqui o entrevistador deverá fazer com que o entrevistado se sinta confortável, transmitir-lhe os objectivos do estudo, o quadro institucional, o modo de selecção dos entrevistados, a duração e o papel que o mesmo (entrevistador) terá. O início da entrevista dá-se como uma questão introdutória, que poderá remeter ao tema fulcral do estudo ou a aspectos relacionados com o entrevistado. No corpo da entrevista sucedem diferenciações das modalidades de intervenção em relação à sua incidência sobre o conteúdo ou a forma. O fim da entrevista é por vezes utilizado para perguntar ao entrevistado se não tem nada para acrescentar, e as suas impressões de como decorreu a entrevista. São dados que poderão contextualizar certas informações ditas pelo entrevistador e constatar se este se sentiu com liberdade para se exprimir livremente.
A leitura deste texto deu-me a possibilidade de clarificar e aprofundar conceitos já adquiridos anteriormente, a utilização da entrevista como uma ferramenta de obtenção de dados qualitativos para posterior análise torna-se cada vez mais fundamental na minha vida como estudante, mas também como futura profissional na área da Educação. E acrescentar informação pertinente, como é a deste texto, ao meu conhecimento acerca desta temática, para além de enriquecedor demonstrou-se interessante. Visto que à medida que a entrevista se foi desenvolvendo e revelando cada vez mais fundamental em investigações, tornou-se ela própria um objecto de estudo, podendo falar-se de metodologia da entrevista. Como novo instrumento de observação, a entrevista devia colocar-se em relação ao modelo científico trazido das ciências exactas, sendo que as investigações pioneiras a utilizar a entrevista revelaram novas facetas do “social”. Ou seja a introdução deste novo método permitiu alargar horizontes no mundo do saber, pois encontrou formas de chegar a outro tipo de conhecimentos, que uma ciência exacta não trata, refiro-me a áreas que exploram a vertente mais social, como já referido.
Concluindo relembro que a recolha de informação é um momento de acrescida importância numa investigação, e como tal a entrevista deverá ser utilizada com discernimento, quem a emprega deverá ser conhecedor da sua complexidade e acima de tudo das dificuldades que poderão surgir e os métodos que contornam as mesmas; só assim a utilização da entrevista resultará em “informação fiável, completa e adequada” (Ruquoy, 116).